Coisas sobre Coisas

Coisas sobre coisas. Uma definição tosca para pensamentos que de elegantes e interessantes não têm nada, mas esforçam-se ser. Aliás, boa definição pra um site que tudo aceitará, comentários, histórias, poemas quem sabe, sobre coisas... coisas sobre coisas... lá vamos nós ver no que dá isso.

2005/07/04

Texto Esporádico I

(Esporádico é o nome que dou para aquilo que convencionalmente se chama de Diário. Esporádico porque escrevo naquilo com uma frequência tal que denominar de diário, semanário, anuário, ou algo afim seria descabido. Aqui estão dois trechos tirados do Esporádico, com algumas correções e adendos.)

13/6/2005

Hoje é segunda-feira, agora deve ser algo em torno de nove horas da noite. Estou sentado à mesa da sala, toca Legião Urbana no CDPlayer, vou no embalo de Renato Russo em suas canções, e, também, levado pela correnteza, o fluxo contínuo, que é ler Saramago (sempre me sinto desconfortável ao deixar uma boa leitura de lado, principalmente quando é contra a vontade). Sinto uma tranqüilidade estranha quase que uma certeza, ou ainda, bem pode ser, um desligamento total daquelas questões fundamentais que vêm atormentando minha mente; este estado aplica-se também às questões simples, como ao final deste relato voltarei às páginas do Manual de Pintura e Caligrafia, que, quando acabar o CD da Legião,
começará a tocar Norah Jones (este é um dos tantos vestígios de Luiza que permanecem comigo, em mim) e daqui a meia hora irei deitar-me suspirando pela antiga paixão e pelas novas aventuras a frente (sejam essas sociais, passionais, ou profissionais). É estranha esta tranqüilidade em tempos tão corridos que venho vivendo, é como se não houvesse o mundo fora desta sala, como se tudo tivesse sido reduzido a lembranças e expectativas em minha mente. Sei que amanhã tenho trabalho, decisões importantes, encontros à frente, mas nada disso importa agora, neste exato momento, em que a solidão me põe tão a par de mim mesmo. Sinto que o destino já traçou os caminhos por onde seguirei, que todas as decisões que minha mente pode prever já estão tomadas; sinto que amanhã, sexta, dia vinte e cinco, Julho, tudo dará certo, quanto àquilo que não der, se não for possível refazer ou consertar, eu serei o mais niilista que puder e direi de peito inflado "foda-se", estes momentos que venho vivendo não são para arrependimentos.

Amanhã estará tudo decidido: mudo de profissão, continuo em ti? viajo para São Paulo, fico em Florianópolis?Agora tudo está tão calmo, como se tudo estivesse certo. Neste momento não existe nada lá fora, o tempo não há, não há mais a angústia aqui. Som, letras, solidão e o espaço, nada além disso, é como se nem eu mesmo existisse sinto-me como um parágrafo que num livro qualquer foi eternizado, como uma nota de violão que se dissipa no ar ao que uma voz feminina canta "Gustavo está tão sozinho/Gustavo sempre foi sozinho", sinto-me, enfim, no lugar certo, pois o tempo aqui não há e o espaço que ao meu redor havia deixou de existir - um parágrafo não precisa de quase espaço algum. Um parágrafo que fala de um tempo calmo, de mar sereno, de certezas, de paz... apenas tranqüilidade, sem espaço, sem tempo.

20/06/2005

A calmaria é apenas um prelúdio de que a grande tempestade, arrasadora, se aproxima. Na terça-feira, como eu havia imaginado, as coisas não se resolveram para mim, ao contrário, a dúvida se tornou maior, entretanto mostrou sua cara apenas na quarta-feira a noite.

Sozinho em casa nesta noite com minhas dúvidas, medos, certezas de fracasso, incertezas de sucesso, solidão, consciência de uma solidão que se levará por longos anos, tristeza pelo que foi perdido e pelo que não foi conquistado. Entrei em pânico. Houve um choro longo, um soluço incansável, um desejo louco de ser abatido pelo sono e de ser levado por ele ao nada por toda a eternidade. Tive vergonha de mim, do que eu fiz e não fiz, do que sou e do que posso me tornar. Arrependi-me de coisas do passado, temi coisas do passado que podem não se repetir e, também, de outras que se acontecerem me colocarão mais uma vez no fundo do poço. Quis sumir, esquecer-me de mim mesmo, virar pó novamente, ser uma fita de DNA – AGATA/ATACA/GATA/GATACA, e por adiante -, ser um corpo sem sentimentos terríveis, estar morto.

Não preciso dizer que a noite foi péssima, é afirmar o já explícito, é palavra vã no meio de imagens tão claras, contudo, digo: foi. O sono demorou a chegar e eu o esperava, balsâmico e tranqüilo eu aguardava que o fosse, entretanto veio carregando uma dúzia de pequenos pesadelos com ele. O tempo novamente parou, mas desta vez para enlouquecer-me com estes monstros que habitam em mim; desta vez o espaço não deixou de existir, ao invés disso, cresceu, deixou-me perdido num deserto – neste imenso deserto, ser infértil e, devido a isto, desprezado, que sou.

Uma noite terrível, que como todas as noites, terríveis ou não, foi expulsa pelo dia que nascia. Nada há como um novo dia, uma nova oportunidade de esquecer a noite e suas chagas, uma nova oportunidade de enfrentar a vida, de olhar adiante na esperança do porto seguro que no horizonte se avistará, talvez com uma tempestade arrasadora ao seu final ou apenas com a leve calmaria. “Navegar é preciso, viver não é preciso”.

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