Coisas sobre Coisas

Coisas sobre coisas. Uma definição tosca para pensamentos que de elegantes e interessantes não têm nada, mas esforçam-se ser. Aliás, boa definição pra um site que tudo aceitará, comentários, histórias, poemas quem sabe, sobre coisas... coisas sobre coisas... lá vamos nós ver no que dá isso.

2005/05/16

Seus olhos ainda doiam, mantinha as mãos sobre a face fazendo com que os dedos precionassem a vista de forma suave amenizando assim a dor que ele sabia não conseguir suportar por mais muito tempo. Deu um suspiro, profundo e prolongado como se fosse o último ar que estivesse a suspirar antes de entrar num mundo desprovido de cor e luz, o som do ar que passava por sua laringe chamou a atenção de alguém que vinha caminhado ao longe. Um senhor em seus cinquenta e cinco anos de idade se aproximou sem pedir licença, fazer qualquer questão ou cumprimento sentou-se ao seu lado no banco. O homem que mantinha as mãos sobre os olhos não fez nenhum movimento ao sentir que alguém agora lhe acompanhava no banco, pensou apenas que desde que não fosse incomodado estaria tudo bem. Para ele ser incomodado era exatamente ser questionado. As perguntas costumavam lhe deixar triste, bravo, frustado. Por que diabos, perguntava-se, sempre vinham perguntar-me algo sobre mim mesmo? Não há lá adiante estrelas, mares, terras, homens, guerras e fábulas para que se possa discutir? Por que diabos estes infelizes não me deixam viver sem questionar-me ao meu respeito?

A vida do homem havia sido uma longa e dolorosa jornada, daquelas que não nos envergonhamos ou orgulhamos, mas queremos apenas esquecer. Havia lutado muito, fugido muito, bebido muito para que as histórias, lembranças, nomes, vozes fossem embora de sua mente, mas infelizmente a aminésia sempre prefere ser uma desgraça atingindo só os que da memória precisam, os pobres infelizes que tem passados a serem esquecidos com ela nunca são premiados. O mundo é bastante engraçado, enquanto um reza pela estiagem, chove na sua terra; ao outro que pede a chuva, lhe castiga a seca. Desta mesma maneira cruel o mundo agira com o homem que continuava com suas mãos aos olhos e recursara a conversa amistosa do senhor em seus cinquenta anos de idade que a esta altura já estava à casa indignado pela indiferença de um qualquer na praça. Seu mau foi ter pedido para parar de enxergar certas verdades que se dispunham à sua frente mesmo quando a ignorância era seu maior desejo, lhe castigava demais ver injustiça, carnificina, dor, ódio, medo, abuso onde poderia reinar a paz, era inconcebível que a luta pelo poder que corrompia a uns poucos homens pudesse desgraçar a tantas vidas. Pediu a ignorância mas o seu premio veio torto e lhe coube uma cegueira, lenta, nostalgica, com medo de ser demasiado agressiva para se instalar totalmente pois a mente não poderia suportar a surpresa, chegava ela devagar a evitar um manicomio um uma bala na cabeça. O pedido "quero parar de enxergar certas coisas" parece ter sido interpretado por um deus muito sarcástico, "Enxergar é? Pois bem." e lá meteu-lhe uma cegueira que veio caminhando de forma tranquila, trágica para ele, a benção era a maldição, com a visão turva a sensibilidade se tornou mais aguçada, agora ele conhecia a psic humana como poucos, conseguia ver o encadeamento dos fatos políticos como raríssimos estrategistas tinham capacidade, sentia a essência de uma mente má, se alegrava com uma boa. Era o confidente das verdades.

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